Entrevistas
Roberto Cariri (Flora Cariri): O mel da caatinga
16:51 19 de novembro de 2022 Por Daniel Oiticica
Roberto Cariri, secretário de Turismo e Desenvolvimento Econômico de Amontada e proprietário da Apicultura Flora Cariri
A indústria do mel no Ceará vislumbra um cenário de crescimento nos próximos anos. Novos destinos de exportação, a possibilidade de vendê-lo ao exterior já envasado, a profissionalização da cadeia de produção e o clima chuvoso de 2021 e 2022 são as principais razões para este otimismo. O apicultor Roberto Cariri, proprietário da Apicultura Flora Cariri, e secretário de Turismo e Desenvolvimento Econômico de Amontada, faz um balanço sobre a realidade da indústria do mel cearense e revela o seu grande diferencial.
Como apicultor, você tem uma grande trajetória na indústria do mel…
Nós fomos envolvendo os produtores, cuidando da produção, e chegaram os exportadores, os entrepostos e as grandes corporações. Hoje a cadeia produtiva está melhor organizada. Começamos com os cursos básicos de apicultura, de gestão cooperada, entender o que é cooperar para crescer, entender a vida das abelhas, a melhor referência em conviver para o bem-estar coletivo é a organização social das abelhas. Nesse cenário, visitei algumas áreas de negócio na Argentina, nos Estados Unidos, no México, na França para entender como eles faziam sua interrelação produtiva. E começamos a fazer esse desenho numa cadeia produtiva. Hoje, todas as casas de mel recebem uma inspeção federal, todos os equipamentos contam com normas federais que atendem à vigilância sanitária, com o aço inox, o piso apropriado, a pia de trabalho, a área externa e todos os outros padrões. E com isso os entrepostos começaram a perceber que tudo estava dentro de uma cadeia diferente, a do mel orgânico da caatinga cearense. E com a chegada dos entrepostos, o pequeno produtor processa o mel na sua casa do mel, lá na comunidade dele, com apoio governamental, de entidades de crédito como o Banco Mundial. O homem do campo entende hoje que ele não pode impactar o bioma da caatinga, porque de lá sai a fonte do mel. Os Estados Unidos hoje importam 70% do nosso mel a granel. Tenho uma expectativa de que até 2024 comecemos a envasar esse mel orgânico em Portugal em vez de exportar a granel. Já estamos com rótulo aprovado pela Comunidade Europeia e negociando uma joint venture com um envasador.
Quais são os diferenciais do mel cearense?
O diferencial do mel cearense é exatamente a flora da caatinga. A caatinga é um bioma nordestino de grande impacto no Ceará. Quase todo o Ceará, tirando algumas margens de litoral, é caatinga. Na caatinga, a gente encontra o marmeleiro, o velame, o bamburral, a jetirana, o mofumbo, o jiquiri, a jurema, e todas essas vegetações são vegetações propícias à produção de mel. E o mel dessas flores são méis orgânicos, ou seja, não há agrotóxicos nesses méis, por isso hoje ele é um produto altamente competitivo e de grande agregador de valor no mercado externo. Hoje, a apicultura do Ceará é extremamente racional e tem uma rastreabilidade de tudo. Mais de 90% dos apiários são georeferenciados, ou seja, têm origem definida. Morada Nova é a cidade com mais casas de mel no Brasil. Quase 500 famílias criam abelhas lá, em mais de 20 mil colmeias. Hoje temos entrepostos de mel habilitados para exportação em Limoeiro, Beberibe, no Cariri, no Pecém e em Pacajus.
E qual é o seu real potencial de exportação?
As exportações estão ligadas diretamente aos invernos. Então quando acontece o impacto da seca, ou seja, se a caatinga, o bioma não flora, automaticamente as abelhas não se reproduzem. Se as abelhas não se reproduzem, automaticamente não tem mel. Então o que que ocorre é exatamente um equilíbrio de um plano para termos uma escala de produção de insetos e que o produtor rural consiga equilibrar. Imagine o produtor de leite que ficou sem as vacas de leite. O que acontece no ano seguinte, e no outro? O governo faz programas de fomento e leva novos rebanhos. Então eu acredito que no futuro vamos ter um banco de fornecimento de insetos, de abelhas, para que os produtores que perderam suas colmeias não fiquem sem o patrimônio de produzir. O rebanho da apicultura, são as colmeias. Comparada a outras atividades da pecuária, a apicultura é uma das atividades que tem um retorno de recuperação mais rápido, porque a cada ciclo de 100 milímetros as floradas vão voltando. Então a recuperação é rápida, e consequentemente as exportações também são rápidas. Com as boas chuvas de 2021 e 2022, teremos uma recuperação. Vamos voltar a crescer fortemente na apicultura e restabelecê-la como atividade racional e profissional. A apicultura era muito empírica. Só mais recentemente que as universidades começaram os primeiros cursos de especialização em apicultura e meliponicultura profissional. É uma atividade nova, em termos das tecnologias, dos avanços, da nutrição, do manejo e da genética. Eu acredito que o futuro se aproxima com este foco porque as abelhas são o motor da agricultura e da fruticultura. Sem motor, não tem transporte.